Treze de maio - O que temos a comemorar?
Diná da Silva Branchini
13 de maio de 1888 - O dia que o Brasil aboliu o regime de escravidão negra. Porem, as lutas pela liberdade ocorreram desde o momento em que pessoas africanas foram seqüestradas e traficadas para o Brasil.
A liberdade não é apenas uma concessão do Estado ou do poder dominante. A liberdade é, antes de tudo, um estado espiritual, da alma. Por isso, mesmo sendo tratados como mercadoria, como propriedade, nossos ancestrais africanos, aqui escravizados/as, trouxeram suas heranças culturais, sua humanidade, seu modo de vida e construíram uma nova África no Brasil.
A história brasileira para ser justa tem que abranger o reconhecimento das lutas emancipatórias lideradas por heróis e heroínas negros/as. Homens e mulheres que, sendo livres em seu interior, expandiram o sonho da liberdade ao seu grupo, desejaram a liberdade para seu povo. Mesmo que a liberdade significasse a morte.
O dia 13 de maio foi apenas a oficialização da situação já consumada: a fugas dos trabalhadores e trabalhadoras negras das fazendas, sob o regime da escravidão. A resistência contra a escravização e a luta pela liberdade, empreendidas pelas pessoas negras, escravizadas e libertas, juntamente com o movimento abolicionista e a pressão internacional deflagraram a queda do regime escravocrata.
De fato, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, a maioria da população negra já estava liberta, por meio da alforria (compra da liberdade) ou da fuga para os quilombos, como é o caso do Quilombo Jabaquara, em Santos que na época da abolição tinha uma população de 10.000 pessoas.
Neste treze de maio temos a comemorar a força de resistência e luta dos movimentos negros durante o regime de escravidão e no período após a queda deste regime. Não comemoramos a assinatura da Leia Áurea pela Princesa Isabel, pois foi um ato forçado pelas circunstancias, desprovido de reconhecimento do trabalho construtivo, embora compulsório, dos trabalhadores/as negros e negras; desprovido de medidas indenizatórias, reparatórias e de inclusão ao novo regime produtivo. Para a população negra, ex-escrava, significou o descarte de sua mão de obra e segregação sócio-racial.
Neste treze de maio temos a comemorar a força da vida que impele as pessoas negras, mesmo diante das barreiras colocadas pelas idéias e práticas racistas, diante dos preconceitos em relação à aparência (principalmente a cor da pele, cabelos), diante das discriminações que impedem o acesso social e econômico. Temos a comemorar a resistência e luta de pessoas negras que não se submeteram a realidade imposta de segregação social, mascarada pela ideologia da democracia e cordialidade racial. Ações de grupos negros pós-abolição até os dias de hoje tem contribuído para a afirmação de identidades negras positivas e para a implantação de políticas públicas de ações afirmativas para afro-brasileiros/as.
Neste treze de maio temos o sonho de que a força reconciliação com a negritude seja mais uma grau de liberdade a ser alcançado por homens e mulheres negros/as cristãos. Cristo, autor e consumador de nossa fé, é nossa referência de liberdade, pois foi para isso que ele deu sua vida. A liberdade cristã é marcada pelo amor, pela solidariedade, pelo serviço ao próximo.
Assumir nossa negritude faz parte de nosso processo de libertação. A cruz de Cristo não pode ser utilizada como meio de silenciar as discriminações, preconceitos e práticas racistas que acontecem em nossa sociedade e porque não, dentro das igrejas cristãs. A salvação em Cristo é parcial se, entendermos que nossa condição existencial - sermos afro-brasileiros, de pele escura, cabelos pixaim e outras características de negros/as - não é relevante numa sociedade onde somos avaliados/as sobre nossa capacidade, idoneidade, dignidade, e outras qualidades a partir de nossa aparência física. E diga-se, diferente do padrão dominante, europeu: cabelos lisos, loiros, pele clara, olhos claros.
Urge que mais os homens e mulheres negras cristãos/as levantem sua voz, quebrando o silencio sobre racismo, a exclusão sócio-econômica do povo negro. Urge que apoiemos todas as ações afirmativas de inclusão sócio-racial. Pois assim, seremos testemunhas de libertação perante nosso povo, como ocorreu nos Estados Unidos, Angola, África do Sul, onde o cristianismo brilhou por meio de lideres negros cristãos, como Martin Luther King, Nelson Mandela, Igreja Metodista na Angola, na luta contra o racismo e a dominação dos povos negros.
Oremos pelo povo negro brasileiro que ainda sofre violências, agressões, exclusões por causa de práticas racistas. Louvamos a Deus por levantar homens e mulheres negras que lutaram e lutam pela liberdade integral do povo negro brasileiro.
Texto escrito por: Diná da Silva Branchini
Ref. Pastoral Nacional de Combate ao Racismo
Minist.de Ações Afirmativas Afrodescendentes
Que darei eu ao Senhor por todos os benefícios que me tem feito?
SALMOS 116.12