fonte: Assessoria de Comunicação da Fateo
Bíblia e cotidiano foi o tema da Semana de Estudos Teológicos em seu terceiro dia. O professor Rui Josgrilberg, reitor da Faculdade de Teologia, iniciou sua palestra com uma citação de Agostinho: “o primeiro livro que Deus escreveu foi a Criação”. “Deus criou inicialmente o Livro da Vida nossa de cada dia. Com a dificuldade do ser humano em praticar a fé, Deus então escreveu um outro livro, a Bíblia, que está a serviço da vida”, explicou o teólogo.
O professor Rui destacou que diferentes “mundos” compõem a nossa subjetividade. No entanto, há um “mundo base” ou “solo” de onde tudo parte e para onde tudo retorna, que é o cotidiano. Assim ocorre, por exemplo, com a ciência. Ela parte do cotidiano e só ganha sentido se para ela retorna. Não faria sentido estudar a eletricidade se nunca a humanidade pudesse dela usufruir. Segundo o professor, o mesmo ocorre com a Teologia. Para cumprir com sua finalidade, a teologia e o estudo da Bíblia devem se voltar ao cotidiano. “A leitura da Bíblia não pode ser dissociada da vida. A prática é o elemento motor da Bíblia”.
Cabe à Igreja fazer essa associação entre Bíblia e Vida. Segundo Rui Josgriberg, a Igreja não pode se constituir apenas como mais um mundo entre tantos outros, mas deve “refletir a presença de Deus nos vários mundos, na vida como um todo”. O professor Paulo Garcia, vice-reitor da FaTeo e coordenador do curso de Teologia, discorreu sobre a necessidade de ler o texto bíblico como reflexo das comunidades na qual ele foi escrito. A Bíblia reflete a vida das comunidades que produziram o texto, com suas dores e conflitos. Não há idealização”, disse ele. Assim por exemplo, a comunidade de Atos 2 que “tinha tudo em comum” – e muitas vezes é idealizada pelas leitura que fazemos hoje -- também contava com viúvas passando fome e disputa na divisão de cargos. O texto bíblico não esconde os conflitos das comunidades que o produziu e, por isso, também pode ser lido à luz dos nossos próprios conflitos e ambigüidades.
Ler o texto bíblico à luz dos conflitos do povo traz uma compreensão mais ampla de seu significado. O professor Paulo destacou o livro de Marcos, escrito durante período de dominação romana. O endemoniado geraseno (Marcos 5.1-20), ao ser questionado sobre o nome do demônio que o possui, diz que seu nome é “Legião”, que é uma palavra latina. A exegese clássica diria que existem latinismos no texto de Marcos, por conta da localização geográfica. No entanto, é sintomático que os demônios em Marcos falem latim e tenham nome de força militar. O texto foi escrito no meio da guerra judaica, na Galileia, em meio à opressão romana. Também é interessante destacar que, uma vez que os demônios saem do corpo do geraseno, eles entram numa criação de porcos, animal que não criado pelo povo judeu e, sim, pelos romanos. “Marcos diz que Jesus têm poder sobre as legiões. O povo tem que ter fé, não pode ter medo da opressão romana”. Segundo o professor, uma leitura assim contextualizada ressignifica o poder de Jesus diante da comunidade. “A vida que aparece nesses textos é a vida colocada em risco, na desesperança, no limite da existência. O texto tem que ser visto como expressão da vida e angústia de comunidades que leram Jesus à luz de suas vidas. Nós podemos fazer a mesma leitura. O cotidiano é o chão hermenêutico para nossa apropriação hoje”.
Torre forte é o nome do Senhor; para ela corre o justo, e está seguro.
PROVÉRBIOS 18.10